Este simpósio tem o objetivo de trazer informações científicas sobre as questões que envolvem as diversas identidades de gênero e orientações sexuais. Podemos ser heterossexuais, homossexuais, bissexuais, pansexuais, cisgêneros, transgêneros, não binários, intersexuais, assexuais, entre outras denominações. O conhecimento científico sobre o gênero e a sexualidade é importante, nos ajuda a entender o funcionamento da sexualidade humana. Mas precisamos ir além, precisamos ter consciência de que para se ter um entendimento mais aprofundado sobre o assunto, só a ciência não basta; precisamos de um posicionamento ético, político e filosófico.
Os cientistas consideravam a homossexualidade uma doença ou um transtorno mental até maio de 1990, quando a Organização Mundial de Saúde atualizou a Classificação Internacional de Doenças, a CID. E até janeiro de 2018 os mesmos cientistas ainda consideravam a transexualidade uma doença ou um transtorno mental. O que mudou em 1990 ou em 2018? Quais descobertas científicas mostraram que tanto as orientações sexuais quanto as identidades de gênero não são mais doenças? Nenhuma. Essa é a resposta, simplesmente nenhuma descoberta científica apareceu para nos convencer a retirar essas expressões da sexualidade da lista de doenças. O que mudou, então?
O que mudou foi que os cientistas reconheceram que não existia nenhum motivo para considerar a homossexualidade ou a transexualidade uma doença ou um transtorno mental. Reconheceram que esses diagnósticos foram construídos somente porque essas pessoas eram diferentes da maioria, que estavam apenas patologizando a diferença. E mais: reconheceram que os seus posicionamentos éticos, políticos e filosóficos estavam direcionando as suas conclusões científicas.
Uma definição de saúde aceita mundialmente e utilizada pela Organização Mundial de Saúde é a seguinte: saúde é o estado de bem-estar físico, mental e social. Assim, se existe bem-estar, existe saúde. Os cientistas perceberam, então, que as homossexualidades e as transexualidades não causam nenhum mal-estar específico. Ou seja, pode-se viver em perfeito equilíbrio com essas condições, assim como se pode viver perfeitamente bem com a orientação heterossexual e a identidade cisgênero.
Um ponto importante é que a própria definição de saúde não é uma definição puramente científica, ou seja, um achado ou uma descoberta científica. Não se precisou fazer nenhuma pesquisa ou experiência para se chegar a essa conclusão. A definição de saúde é um posicionamento ético e filosófico nosso, nós consideramos um valor o bem-estar físico, mental e social, e é por valorizarmos esse bem-estar que assim definimos o conceito de saúde. Em outras palavras, o que estou dizendo é que a nossa ética orienta a ciência, a ética define caminhos para a ciência.
E por que estou pontuando isso, fazendo esses questionamentos sobre a ciência? Porque o mais importante aqui não é aprendermos o posicionamento científico sobre as questões que envolvem as identidades de gênero e as orientações sexuais. O mais importante aqui é refletirmos sobre os nossos valores éticos, sobre a nossa visão de mundo, sobre a nossa postura filosófica, sobre a forma como queremos construir a sociedade e a forma como queremos construir as nossas relações com as outras pessoas, seja no contexto da nossa família seja com as pessoas de fora da nossa casa.
Aceitar as homossexualidades e as transexualidades como normais significa promover uma sociedade que aceita as diferenças, significa construir um mundo com mais paz e mais harmonia. O contrário, obviamente, significa o exato oposto. Muitos posicionamentos religiosos não aceitam as diversidades sexuais. Mas precisamos refletir aqui: se o seu posicionamento religioso não permite que você aceite uma diferença que não cause nenhum mal-estar, seja para si mesmo seja para o outro, que tipo de mundo essa religião está ajudando a construir? Um mundo que oprime os diferentes e impõe sofrimento às pessoas? Que ética é essa?
Pessoalmente, eu tenho comigo a ética da democracia, acredito que o único sistema político capaz de aceitar as diferenças e os diferentes é o regime democrático. Esse posicionamento, reforço, não é uma descoberta científica, é um valor ético e político, é uma ética para se viver e conviver em sociedade. E está no princípio da democracia os conceitos de liberdade e igualdade. Só existe democracia se todos nós temos liberdade e se todos nós somos considerados iguais perante a lei, perante o Estado.
A autodeterminação é um fundamento do conceito de liberdade. Todos nós somos livres para nos autodeterminarmos, ou seja, para dizermos quem somos. Se você quer ser chamado pelo seu nome, você tem direito a isso. Se é assim que você se identifica, você não vai aceitar que as outras pessoas ou o próprio Estado o chame por um nome que não é o seu. A identidade de gênero também é uma autodeterminação. Não são os outros que vão definir ou dizer se você é homem ou mulher, se o seu gênero corresponde ao seu sexo biológico; é você mesmo, porque você tem a liberdade de se autodeterminar. Nós precisamos dessa liberdade para vivermos em uma democracia, para vivermos em sociedade com paz e harmonia. Se todos nós temos a liberdade de determinar a nossa própria identidade de gênero e a nossa própria orientação sexual, isso impõe ao outro o dever de aceitá-la. Se nós queremos conviver em paz, nós precisamos aceitar a liberdade do outro de dizer quem ele é e de ser tratado conforme ele quer. Só assim podemos construir uma sociedade que consiga conviver em paz com as diferenças. O contrário disso é uma sociedade autoritária, um regime ditatorial, a construção de um sistema político que aceita apenas uma visão de mundo e uma forma de ser no mundo.
Quando construímos um posicionamento ético, político e filosófico que aceita as diferenças, então estamos prontos para compreendermos com profundidade as descobertas científicas sobre as diversidades que envolvem a sexualidade humana.
Muito obrigado! Que tenhamos todos um excelente simpósio!
Texto: Rodrigo Tavares Mendonça / Imagem: Simeon Solomon
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